Deterioração das contas públicas e
dificuldade em economizar para pagar juros da dívida são vistos como problemas;
Mantega vê como 'exagerada' possibilidade.
Apesar de as três principais agências de
classificação de risco – Standard & Poor's (S&P's), Fitch Ratings e
Moody's – ainda considerarem o Brasil estável, persiste no mercado o temor de
um possível rebaixamento do rating brasileiro. Mas quão real é essa expectativa?
O pessimismo foi reforçado na semana passada, após o jornal britânico Financial
Times afirmar que o país poderia ser o primeiro dos Bric (grupo que reúne, além
do Brasil, Rússia, China e Índia) a perder o chamado 'grau de investimento',
patamar equivalente ao de 'bom pagador'. A classificação de crédito, ou rating,
é uma espécie de selo concedido por empresas de avaliação de risco que reflete
a capacidade de um país ou uma empresa de honrar seus compromissos financeiros.
As notas são expressas por letras e sinais aritméticos, que indicam para um
maior ou menor risco de suspensão de pagamento. Um eventual rebaixamento da
classificação de crédito do Brasil pelas agências de risco teria como principal
efeito uma valorização do dólar, na opinião de especialistas ouvidos pela BBC
Brasil. Eles acreditam que a cotação poderia alcançar o teto de R$ 2,50 durante
a Copa do Mundo, em junho do ano que vem; atualmente, a moeda americana vale
cerca de R$ 2,30. Na opinião desses analistas, uma revisão para baixo do rating
do Brasil, caso se concretize, poderia alimentar ainda mais a desconfiança dos
investidores sobre o país e fortalecer, de forma mais acentuada, a saída de
divisas, já em curso, entre outros motivos, por causa do cenário macroeconômico
interno e das perspectivas de mudança na política monetária dos Estados Unidos.
Com menos dólares no Brasil, a tendência
da moeda americana seria de se valorizar."Se houver o rebaixamento do
rating, o fluxo de capital para o Brasil tende a diminuir, o que gera uma perspectiva
de desvalorização do real frente ao dólar", disse à BBC Brasil Alex
Agostini, economista-chefe da Austin Rating, agência de classificação de risco
de origem brasileira.
Perspectiva
negativa.
Desde 2008, o Brasil é considerado 'grau
de investimento' nas três principais agências de classificação de risco (ver
tabela abaixo), ou seja, considera-se que o país tem menos chance de dar calote
em seus credores. Nações desenvolvidas, como Estados Unidos, Alemanha, França e
Reino Unido também estão nessa categoria.
Ter "grau de investimento"
permite ao país atrair divisas com mais facilidade. Inúmeros fundos de
investimentos, por exemplo, possuem regras internas que impedem a aplicação de
recursos em nações que não estejam dispostas nessa categoria.Atualmente, das
três principais agências, apenas a S&P's mantém o Brasil com perspectiva
negativa, o que, em teoria, indicaria que um rebaixamento futuro. Para as
outras duas, Fitch Ratings e Moody's, a nota do país é "estável". Em
entrevista recente ao jornal "O Estado de S. Paulo", entretanto, a
diretora da S&P para a América Latina, Lisa Schineller, descartou a
hipótese de rebaixamento.Além disso, para perder o "grau de
investimento", o Brasil teria que ter sua nota rebaixada duas vezes
consecutivas. Essa última hipótese também foi rechaçada a curto prazo pelos
economistas.
Rebaixamento de
rating.
O artigo do "Financial Times"
foi baseado em um relatório da filial brasileira do banco britânico Barclays,
que previu a queda de um degrau na classificação de crédito já em janeiro do
ano que vem.
O estudo, assinado pelos economistas
Marcelo Salomon e Bruno Rovai, atribui o rebaixamento do rating soberano à
deterioração das contas públicas.Segundo o relatório, o déficit do governo
central (formado pelo governo federal, Banco Central e Previdência Social) em
setembro, que somou R$ 10,4 bilhões, o pior para o mês em 17 anos e acima do
previsto inicialmente pelo mercado (déficit de R$ 500 milhões), contribuiu para
manter o pessimismo acerca de uma eventual redução da classificação de crédito
do Brasil."O surpreendente baixo resultado foi principalmente propiciado
por um forte aumento nos gastos extraordinários durante o mês, mas uma
arrecadação abaixo da esperada também ajudou a intensificar a tendência de um
déficit mais ampliado", informou o estudo.
Além disso, os economistas disseram
permanecer "céticos" de que essa tendência – de gastos crescentes –
possa ser revertida, especialmente considerando as eleições que ocorrerão em
outubro do ano que vem.
Superávit
primário.
O relatório cita ainda a dificuldade de o
governo atingir a meta de superávit primário – economia para pagar os juros da
dívida – estabelecida para esse ano (2,3% da arrecadação), mesmo com as
receitas extras do leilão do campo de libra (R$ 15 bilhões) e do Programa de
Recuperação Fiscal (Refis). "O ponto crítico, na nossa opinião, é a
deterioração sustentável e contínua do superávit primário, que, em última
análise, pode elevar os níveis de endividamento", afirmou. "(...)
Acreditamos que o governo evitará tomar qualquer medida para rapidamente
reduzir os gastos do governo, que, no fim das contas, poderia afetar o
crescimento no ano anterior às eleições presidenciais de 2014".O superávit
primário é importante na avaliação do risco soberano de um país porque indica a
capacidade dele de saldar seus compromissos financeiros. Se o governo gasta
muito (ou seja, economiza pouco), reduz seu espaço de manobra para pagar suas
dívidas (entre elas, os juros que remuneram os títulos públicos, uma das formas
de financiamento de um governo)."Baseamos a nossa análise no resultado
fiscal do governo. A situação das contas públicas piorou depois de junho,
quando já havíamos lançado o primeiro alerta. Além disso, o governo tem dado
sinais claros de intervencionismo, o que aumenta a desconfiança do investidor
sobre o futuro do país", afirmou Bruno Rovai, economista do Barclay's e um
dos autores do estudo, à BBC Brasil.Para Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO
corretora, há uma percepção por parte do mercado de "fragilização da
política fiscal"."O governo não vem conseguindo obter resultados
satisfatórios em sua política fiscal e tem pouca chance de se reabilitar, revertendo
todas as desonerações que já fez. Além de aumentar os gastos, quando, na
prática, deveria reduzi-los, também recorreu a métodos contábeis pouco
ortodoxos", afirmou Nehme à BBC Brasil."Tudo isso é observado pelas
agências de classificação de risco. Caso a política fiscal se repita nos
próximos meses, é provável que o Brasil caia um nível em sua nota de
rating", acrescentou ele. "Isso poderia ter um impacto cambial, no
sentido de desvalorização da nossa moeda em relação ao dólar", concluiu.
"Luz
amarela" Alex Agostini, da Austin Rating, evitou especular sobre
um eventual rebaixamento do rating brasileiro, mas destacou a mudança na
maneira como o Brasil é visto por investidores internacionais."Não há
dúvida de que a luz amarela já está acesa para o Brasil. A economia brasileira
vem patinando, o que significa uma arrecadação menor para o governo financiar
seus gastos e honrar seus compromissos. Por outro lado, os gastos públicos não
diminuíram. Com isso, o governo tem menos dinheiro para fazer investimentos e
estimular a economia", explicou Agostini à BBC Brasil.
"Por outro lado, com a perspectiva de
que os Estados Unidos voltem a ficar atrativos com o fim dos estímulos do Fed
(o banco central americano), os investidores começam a pesar se realmente vale
o risco de permanecer no Brasil", disse.
Em virtude da crise econômica iniciada
após a quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, os EUA adotaram diversas
medidas para dar alento à economia, como a compra de títulos do governo
(inundando a economia com dólares) e juros próximos a zero. Com a melhora dos
indicadores do país, especialmente os relacionados ao emprego, a perspectiva é
que esses estímulos passem a ser retirados nos próximos meses, e como resultado
o país passaria a ser mais atraente para os investidores.
"Para piorar tal quadro, existe ainda
uma preocupação por parte desses mesmos investidores com o grau de ingerência
do governo na economia", acrescentou Agostini.
Outro
lado.Em entrevista recente ao jornal "O
Globo", o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que a situação das
contas públicas chegou ao seu pior momento em setembro, mas tende a melhorar.
Na ocasião, ele também disse considerar exagerada a ameaça de que o rating
brasileiro seja revisto.
Para Francisco Lopreato, professor de economia
da Unicamp, há muita 'gritaria' em torno do quadro fiscal brasileiro. Segundo
ele, o superávit primário deve ficar abaixo da meta do governo, mas "na
casa dos 2%", o que não impõe "qualquer risco" à segurança da
dívida."Considero as análises exageradas. De fato, o quadro fiscal piorou
neste ano, mas não há nada que ponha em xeque as garantias de sustentabilidade
da dívida. Acredito que a economia vá se recuperar no ano que vem e o cenário
será melhor", afirmou ele à BBC Brasil.
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