Povoados
de Arapiraca 'sobrevivem' do programa, que completa 10 anos com redução na
miséria e revolução familiar
03/11/2013 07h51
Renée Le Campion
Renée Le Campion
Ana Paula diz que Bolsa Família já ajudou
muito em fase de sufoco (Crédito: TNH1)
Na cidade
mais rica do interior de Alagoas, onde o comércio é pujante e o desenvolvimento
econômico animador, mais da metade da população ainda depende do Bolsa Família.
As indústrias, lojas e o novo shopping que dão o ar de metrópole a Arapiraca
contrastam com a realidade de pequenos povoados da zona rural, que “sobrevivem”
quase que exclusivamente de transferências de renda do governo federal.
“Isso [o
programa] é uma ‘bença’ de Deus. Não dá pra garantir o sustento, mas já me
ajudou muito numa fase difícil da minha vida. Hoje, eu gasto tudo com o meu
filho, compro material escolar, farda e calçado. Ele vai todo arrumadinho pra
escola”, diz em tom orgulhoso Ana Paula Pereira, de 25 anos, moradora do Sítio
Pau D’Arco. A dona de
casa é uma das 134.312 beneficiárias em Arapiraca do programa Bolsa
Família, programa federal que completa 10 anos com resultados positivos no
combate à extrema pobreza, redução na taxa de mortalidade infantil, maior
frequência de crianças e adolescentes nas escolas e que ainda tem uma série de
desafios a frente.Ana Paula
conta que na rua em que mora praticamente todas as famílias são atendidas pelo
programa. Ela destaca que a região é pobre e o dinheiro repassado é pouco, mas
suficiente para matar a fome e suprir as necessidades básicas. A família da
ex-empregada doméstica sobrevive hoje do benefício de prestação continuada do
INSS, equivalente a um salário mínimo, e dos R$ 102 do Bolsa Família. Ela
precisou deixar a casa onde trabalhava para cuidar do marido, que tem
deficiência mental, e não consegue emprego há três anos. Até receber o
benefício na Justiça, Ana Paula diz que comprava o farelo de multimistura para
dar “sustança” ao pequeno Maicon, de 4 anos. O complemento alimentar, de alto
valor nutritivo, custa em média de R$ 1 a R$ 5. “Nessa
época, o dinheirinho do Bolsa Família me salvou. Agora eu não trabalho mais
porque tenho a curatela do meu marido, e preciso ficar em casa cuidando dele.
Mas sempre que dá eu faço uns bicos, vendo calcinhas pela cidade e consigo
ajeitar uma coisa ou outra dentro de casa”, detalha.
Bolsa
Família deu poder às mulheres, avalia economista
A
realidade de Ana Paula é a mesma de milhares de alagoanos, que dependem de
recursos do governo federal para sustentar a família. De acordo com o
economista Cícero Péricles, a transferência direta de renda a Alagoas
ultrapassa R$ 11 bilhões por ano, e compreende um terço das riquezas da
economia do Estado.O
economista frisa que o Programa Bolsa Família - que atende quase 440 mil do
total de 920 mil famílias alagoanas - impacta de maneira prioritária na compra
de alimentos, uma vez que a fome é “inadiável”. “Também possui aspecto
econômico positivo para o comércio dos bairros periféricos e localidades do
interior, que passaram a ter outra dinâmica com os aportes do Bolsa Família que
contribuem para a melhoria do ambiente nestes espaços”, avalia.Mas uma
dos principais revoluções geradas pelo programa, na visão de Péricles,
aconteceu no universo familiar. Ele ressalta que o Bolsa Família, que prioriza
a mulher como beneficiária, alterou o cotidiano das mulheres, que hoje se
comprometem com a saúde e educação dos filhos. Para ter a continuidade do
benefício garantida, os filhos precisam estar com a carteira de vacinação em
dia e frequência escolar mínima de 85%.A
autonomia conquistada pelas mulheres é constatada no livro “Vozes do Bolsa do
Família”, fruto de uma pesquisa que ouviu, de 2006 a 2011, 150 beneficiárias de
regiões pobres do país - entre elas o Sertão e Litoral Norte de Alagoas. No
livro, Walquiria Domingues Leão Rego e Alexandre Pinzani avaliam as principais
mudanças após o recebimento de uma renda monetária regular: liberdade, ganhos
de dignidade e responsabilidade no uso do dinheiro.
“O
dinheiro do Bolsa Família, meu marido nem vê a cor”, diz beneficiária
Na Zona
Rural de Arapiraca, o TNH1 entrevistou mulheres que reforçam o
resultado da pesquisa: elas são independentes e, quando não conseguem mudar o
próprio destino, preocupam-se em garantir um futuro próspero aos filhos.Com duas
filhas na escola, Ivanilda Caetano, de 47 anos, não sabe ler nem escrever. Mas
faz questão que suas meninas estudem para “ser alguém na vida”. Casada, ela diz
que nunca recebeu um centavo do marido e que somente após o Bolsa Família começou
a comprar roupas e materiais escolares para suas filhas.Ivanilda
não esconde a relação complicada com o pai de suas filhas, que, segundo ela,
“gosta de tomar cachaça um dia sim, um dia não”. Para evitar que ele gaste o
dinheiro do benefício com bebida alcoólica, a mulher precisa esconder os R$ 134
que recebe todo mês. “Ele nem sabe direito o dia eu saio para tirar o dinheiro.
Ele nem vê a cor, e quando me pergunta eu digo logo: ‘o dinheiro é meu, nem
venha se meter”, conta. Enquanto Ivanilda era entrevistada na frente de sua
casinha de muros brancos, no povoado de Canaã, o marido bebia e, embriagado,
esbravejava à reportagem: “Pra que tu quer falar com uma analfabeta? Essa daí
num tem nada pra dizer não”. Ivanilda minimiza a agressividade do parceiro, e
diz que ele é trabalhador e não bate nela, mas quando “se junta” com as
"amizades erradas" fica bêbado e “enche o saco”.A dona de
casa revela que não enxerga como sua vida poderia mudar, mas acredita que o
destino de sua prole será diferente. “Estão na escola, a de 12 e a de 15
[anos]. A mais velha sempre tira nota boa e nunca perdeu ano. A gente tá
pensando até em mandar ela pra São Paulo, pra ela estudar lá”, diz.Na
avaliação de Ivanilda, o Brasil vive uma fase rica, já que consegue distribuir
dinheiro para os pobres. Contrariando o preconceito de que a beneficiária do
Bolsa Família tem preguiça de trabalhar, a dona de casa diz que o que se recebe
não é suficiente, e é preciso bater perna para ter outra fonte de renda. “Se
for esperar sentado pelo dinheiro, minha irmã… Não dá não”, comenta.
Qualificar
é preciso
A criação
de um ambiente favorável aos negócios e empreendimentos de base popular é o
principal papel econômico do programa Bolsa Família, segundo o economista
Cícero Péricles. Entretanto, em sua avaliação, falta em Alagoas uma
infraestrutura capaz de atrair novas empresas e falicitar a ampliação das
existentes, e ainda um sistema educacional capaz de responder, com agilidade e
amplitude, a formação de mão de obra para assalariados e para o universo de
empreendedores populares.A
prefeitura de Arapiraca reconhece que a principal fonte de renda na zona rural
e bairros periféricos da cidade é o Bolsa Família, mas garante fazer sua parte.
A secretária adjunta de Assistência Social, Anadja Gomes, frisa que o programa
do governo federal dá acesso a iniciativas como o Projovem e Pronatec,
promovidos em parceria com o Sistema S, que preparam o jovem para o mercado de
trabalho e oferta cursos educacionais e de qualificação. “São programas que
otimizam o Bolsa Família, pois não queremos que as pessoas dependam
exclusivamente do programa”, finaliza.
Números e
condicionalidades do Bolsa Família
Em 10
anos, o Bolsa Família já beneficiou mais de 50 milhões de brasileiros, cujas
famílias tem renda mensal de até R$ 140 por pessoa. O valor pago depende
do tamanho da família, idade dos membros e renda. O saque é feito com cartão
magnético, emitido preferencialmente no nome da mulher.Como
condicionalidades, as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos devem estar matriculadas
e ter frequência escolar mínima de 85%. Já na área da saúde, as grávidas devem
se inscrever no pré-natal e ser acompanhada pelo Ministério da Saúde, e ainda
manter a vacinação e acompanhamento nutricional das crianças em dia.Em
Alagoas, são atendidas pelo programa 438.240 famílias, segundo dados do
Ministério do Desenvolvimento Social relativos ao mês de setembro. Em Maceió,
são beneficiadas 91.371 famílias e, em Arapiraca, 24.551 famílias.
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