Previdência perde 4,4 bi e não verá de volta as desonerações de
múltis
Tão aberrante quanto o corte de R$ 10 bilhões nos dispêndios do
Orçamento, anunciado pelo governo na quarta-feira, é o lugar de onde foram
cortados esses recursos. Com a economia ofegante por falta de investimentos e
gastos públicos, com o país explodindo devido ao despedaçamento dos serviços
públicos, o governo não encontra nada melhor para fazer do que ignorar a nação
e atender aos bancos: depois de cortar R$ 28 bilhões no segundo bimestre,
cortou mais R$ 10 bilhões ao fim do terceiro bimestre. Além da subserviência
vergonhosa, é muita vontade de ser derrotado nas urnas.
Segundo o relatório emitido pela Fazenda e Planejamento, os R$
10 bilhões são a soma de:
1) Um corte de R$ 4,45 bilhões na "compensação à desoneração da
Previdência Social".
O que significa que o governo não pretende honrar integralmente
sua promessa de usar recursos do Tesouro para "ressarcir" (a
palavra está na nota oficial) a Previdência pelas desonerações na folha de
pagamento, fundamentalmente em favor de monopólios multinacionais.
Com isso, o governo abre um rombo, correspondente a esse calote,
na Previdência. No relatório, é admitido um rombo de R$ 3 bilhões –
presumivelmente, R$ 1,45 bilhão seria coberto por um aumento de arrecadação.
Mas isso quer dizer que os trabalhadores, além de sofrer a redução dos recursos
previdenciários pelas desonerações, também pagarão diretamente para cobrir essa
redução, pelo menos em parte. Nos pareceu tão inacreditável essa possibilidade,
sobretudo diante das reiteradas promessas, inclusive constantes em lei, de que
o Tesouro cobriria as perdas da Previdência resultantes das desonerações, que
demoramos para conferir o relatório; mas é isso, infelizmente, o que se pode
concluir.
2) Um corte de R$ 2,5 bilhões em "Pessoal e Encargos Sociais",
que será feito com o congelamento da despesa de janeiro a junho, projetada até
dezembro.
Em suma, o governo resolveu não chamar os já aprovados em
concurso para assumirem os seus cargos, apesar da Lei Orçamentária de 2013 ter
autorizado essa chamada com o objetivo de melhorar o atendimento à população
nos serviços públicos.
3) Outro corte de R$ 2,5 bilhões nos "subsídios".
Os subsídios do Orçamento são para diminuir os juros: do crédito
rural, do financiamento às exportações, da aquisição de máquinas pelas
empresas, da "aquisição de tecnologia", do microcrédito produtivo, do
BNDES em geral, e da eletricidade (Itaipu). No corte anterior, esse item, muito
importante para o investimento privado, já fora reduzido em R$ 5 bilhões.
4) Por fim, um corte de R$ 574 milhões na despesa com "fabricação
de cédulas e moedas".
[Aos leitores que quiserem conferir os cortes, ver no site da Secretaria do Orçamento Federal (SOF) o "Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, 3º bimestre de 2013".]
[Aos leitores que quiserem conferir os cortes, ver no site da Secretaria do Orçamento Federal (SOF) o "Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, 3º bimestre de 2013".]
Agora, depois da indignidade, passemos ao cinismo, simples e
mero.
O governo poderia – dentro da lei orçamentária, que expressa um
compromisso com o FMI – abater mais R$ 20 bilhões do "superávit
primário", a reserva para os juros, pois o total possível de abatimento é
R$ 65,2 bilhões – e o governo só abateu R$ 45 bilhões até agora. Mas, aumentar
o abatimento, os bancos não queriam e o governo não fez. Preferiu fazer o que
os bancos queriam: cortar despesas com o atendimento às necessidades do país
para aumentar, em vez de abater, o "superávit primário".
Em seu anúncio, o ministro Mantega disse que "o
superávit primário do Governo Central está garantido. Agora, estamos aumentando
em R$ 10 bilhões o corte de despesas, criando uma reserva para a eventual
frustração do resultado primário dos Estados e Municípios".
O superávit primário dos Estados e municípios é determinado pelo
governo federal – que não somente usa a dívida desses entes da federação com o
Tesouro para forçá-los a desviar verbas para os juros (ou seja, para
"fazer superávit primário"), mas pode até confiscar a parcela do
Fundo de Participação de um Estado ou município para extrair dele esse
"superávit primário".
Os Estados e municípios não são culpados porque o governo
federal resolveu render-se aos bancos – principalmente aos estrangeiros – e
aumentar a reserva para juros em R$ 10 bilhões, à custa de não pagar à
Previdência, de esculhambar com os serviços públicos pela não reposição ou
aumento de pessoal, e de secar o investimento pelo corte aos subsídios para
baixar os juros de seu financiamento.
O próprio Mantega, nos dias anteriores, defendeu o corte com o
objetivo de "dar um sinal ao mercado do compromisso do governo com o
superávit primário", ou seja, dizer aos banqueiros externos que o governo
está submisso a eles e vai continuar passando centenas de bilhões em juros aos
seus cofres. A essa irresponsabilidade, como vimos na edição anterior, o
governo chama "responsabilidade fiscal".
Na mesma quarta-feira, antes de jogar a culpa do corte sobre
Estados e municípios, disse o ministro que as medidas "contribuem
para a realização do pacto pela responsabilidade fiscal que foi estabelecido
pela presidenta Dilma juntamente com os governadores e prefeitos. O objetivo
dessas medidas é melhorar a qualidade do gasto público, reforçar o resultado fiscal do
Governo Central e tornar ainda mais claras e
transparentes as medidas para atingir o resultado fiscal desejado".
O "resultado fiscal desejado" é passar mais dinheiro
para os bancos, assim como "melhorar a qualidade do gasto público" é
a mesma coisa que desviar esses gastos para os juros. Mas o objetivo verdadeiro
é "reforçar o resultado fiscal do governo central" - ou seja, a
drenagem deste para os bancos. Os governadores e prefeitos estão aqui mais
deslocados que Pilatos no Credo – exceto se resolverem lavar as mãos por um
"pacto" que nunca assinaram. Os pactos, agora, são assim: o governo
federal pactua com si mesmo e fala sozinho; resta aos demais obedecer, e sem
falar nada, de preferência. Se falta ao governo força para tanto, não há problema
- tudo, exceto o dinheiro para os bancos, é somente marketing.
Não vamos nos deter no aranzel de bobagens ditas sobre a
arrecadação. Basta lembrar que em um dos quadros apresentados por Mantega, há
uma expansão de R$ 7,2 bilhões na arrecadação das "receitas não
administradas pela Receita" - basicamente no item "concessões",
o que é explicado no relatório:
"A arrecadação das receitas administradas por outros órgãos
da União nos meses de janeiro a junho demonstrou a possibilidade de ampliação
do valor previsto em R$ 7,2 bilhões em relação à avaliação do segundo bimestre
de 2013 (+4,40%). Esse acréscimo ficou concentrado nas receitas de Concessões
(R$ 7,4 bilhões), em
função da revisão dos valores estimados para o bônus pela concessão do campo de
Libra" (rel.
cit., pág. 13, grifo nosso).
O governo está, portanto, abrindo um rombo nas contas públicas
para passar dinheiro aos bancos e pretendendo cobrir esse rombo com a entrega
do pré-sal – o que equivale a entregar o pré-sal para passar o que for
arrecadado com o "bônus de assinatura" para os bancos. Assim, o plano
é passar o petróleo para as multinacionais petroleiras e passar o dinheiro
arrecadado para os bancos multinacionais.
É assim que se pretende "ouvir a voz das ruas" -
cortando recursos da população para entregá-los a monopólios externos e não
aumentando os recursos para o atendimento à população.
Fonte: Carlos Lopes/Hora do Povo
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